Preservo o privado, embora o que eu tenha não seja exatamente propriedade. São resquícios de um eu impróprio. Não tenho certeza se o que eu tenho é realmente meu. E não falo de objetos, de falos. Falo do substrato abstrato, de sentimentos. Não sei se o que sinto é meu, é teu ou é inventado. Às vezes, eu acho que inventei todos os meus sentimentos. É quando eu sinto um medo extraordinário de te esquecer, ou pior, de que você nunca tenha existido. Pergunto-me como você é e só sei dizer de como você é comigo. Quanto disso é você? às vezes, penso que eu sou só isso, a soma das formas que as coisas são comigo. E isso é tão frágil que pode se desfazer em dois passos cambaleando em sentidos opostos. Temo que se fizessem um inventário de mim restaria só o que invento. E as coisas emprestadas, roubadas dos desavisados transeuntes tão cheios de si que os tomei pra mim. Meu vampirismo é silencioso, invisível; e insaciável. Se faz falta, acho que não, faz mais falta pra mim não ter jeito próprio. Como pode, eu penso, como pode meu eu ser tão desapropriado de si mesmo. Minha propriedade, se me é permitido usar o termo, se refere à assuntos tão etéreos que com um sopro se perdem no ar. Eu queria me apropriar de mim, mas no breve momento em que me sinto tocando minhas próprias mãos, as solto para tocar algo afora que reluziu. Eu me despejo e me troco por qualquer variação que me traduza e ao mesmo tempo me anule. Tenho mania de instabilidade, me encontro na insegurança de planar e reinventar os limites entre nós. Preservo o meu privado porque aqui dentro não tem nada além de branco que absorve; e luz com a qual me pinto na tela do seu rosto. Contudo, quero que você se divida comigo; e embora como garantia proponha apenas a chance de não ter nada a lucrar, minha brancura esconde a brandura de quem se oferece como paleta matriz para novas colorações.
terça-feira, setembro 29
domingo, setembro 27
noturno
quarta-feira, setembro 23
bilhete num livro usado
tenho tropeçado em pensamentos e pulado detalhes. a pressa rasgou minha camiseta na maçaneta na porta quando saí. eu que engato uma imagem na outra, engasguei quando vi a verdade: o mundo não é esse que eu inventei. eu que canto pra dentro, danço pra dentro, grito e monto castelos, tomei um susto quando calei e senti o vento que vem de fora. não sei se alívio ou desespero, o vento levou meu castelo de areia num movimento espiral bonito. o desvelo me trouxe calma. não existe uma verdade só e isso a gente já aprendeu faz tempo. mas eu não sei como faz pra comportar a minha verdade cambiante num mundo tão sólido. como quem não sabe o que fazer perante a ameaça do vínculo que se encerra num elogio, eu não sei o que fazer com as coisas doces que a vida me traz. não sei me comprometer com essa sucessão singela de coisas que seguem acontecendo a cada instante e pedem para entrar em mim, me chamam para desaguar de olhos fechados neste redemoinho de água doce. eu tenho sentimentos que não existem; e tenho medo. a minha cabeça quebrada fez do meu corpo um encaixe sem peça que me caiba. vivo me dissolvendo e me sugando, eu e minha alma de gelatina numa geladeira quebrada. posso ser bruta, mas não tenho força interna pra parar isso sozinha. por isso, pairo na beira do rio e espero você me empurrar.
domingo, setembro 20
o pior dos perigos
nunca decido
se me esquivo
ou me identifico.
se me esquivo,
me sou importuna.
se me identifico, pior.
posso ser una.
sexta-feira, setembro 18
Ensaio pós-temporada
terça-feira, setembro 15
Declaração de amor (ou atestado de realidade)
segunda-feira, setembro 14
Rapidinhas
Diálogo de cegos
No Aurélio, tanto acaso pode ser sorte como sorte pode ser acaso. A sorte, sonsa que só ela, perguntou pro acaso qual era a diferença entre eles. O acaso respondeu, bufando: "A diferença é que eu trabalho. Você ganha fama."
Carnaval
Quando todo mundo acha que essa máscara não é tóxica.
sexta-feira, setembro 11
praia de Icaraí
andando na orla eu vejo
a água que bate na pedra
na beira do mar da baía
o cheiro do mar lembra a água
entrando pelo nariz
descendo pela garganta
o cachote na casa de praia
o primo pentelho
e a vida inteira
pela frente
de repente um baiacu morto na areia
que tomou do próprio veneno
inchado pelo mar podre
pela vida morta que acumula
na moldura da vista mais bonita do Rio de Janeiro
quarta-feira, setembro 9
filosofia ao meio-dia
passou o ônibus
pensei: um sinal
parou o ônibus
(sinal vermelho)
então dei uma corridinha
tropecei
caiu o cigarro bem no bueiro
um sinal, pensei
passou a bicicleta
e me deu um empurrão
abriu o sinal
esperei na calçada
por meia hora
o pombo veio por cima
e deixou seu recado:
a vida é agora
essa história de sinal
segunda-feira, setembro 7
Amor eterno
domingo, setembro 6
sexta-feira, setembro 4
Revivendo o _borrasca
Era como oscilar entre dois pontos de vista. Um, que era como tinha que ser, era de dentro pra fora, o mundo gigante ao redor. Então cada descoberta aumentaria o universo e me faria deliciosamente pequena. Pensava nos detalhes que uma formiga podia ver em um torrão de açúcar, todas as dobras e orifícios, o desejo de levar aquilo tudo consigo. O outro, que era o que era, era o contrário. Da pequenez à total insignificância de poeira cósmica no meio de um universo indecifrável. Via uma outra pessoa através de mim e mesmo um rosto diante do meu era distante e nublado. Pensava até que ponto eu pecava pela oscilação. E que pensar daquele jeito já era pecado contra a vida. A consciência do que não era fazia tudo não acontecer.
8.7.05
viver é pique cola
em luz de lusco-fusco
no meio da praça
se você parar de correr
e perguntar por quê
perde toda a graça
(ainda vem um correndo
travesso, te cola
e ri da sua cara)
É bonito e estranho reencontrar textos antigos.
Tem mais identidade no passado do que eu imaginava.
quinta-feira, setembro 3
terça-feira, setembro 1
antes da frase começar.
Escrevo por este momento
A folha em branco; meu reflexo mais vivo.
é o início irrefreável
deste meu lançar-se ao abstrato.
As letras me saltam,
me catapultam de mim.