terça-feira, dezembro 15

All that jazz

Viver a vida como Bob Fosse fala do show business, o excesso e a falta. A melancolia salpicada em purpurina, a tristeza no auge da euforia. A máscara e o conteúdo, a discrepância, o abismo. A repetição, a reiteração. Viver a vida com todo aquele jazz, aquele samba, a bossa nova. O jeito manso, o jeito audaz, o jeito algoz. Todo excesso será castigado onde se descartam extremos que não sejam encenados. Encenemos. Que caminho revela o conteúdo, que forma expressa o núcleo central. Desvirtue-o, melhor, inverta-o. Que gesto vindo do meu braço esquerdo culminando na minha mão descarga devidamente a vibração do meio das minhas costelas. Descarga estética, o extremo oposto. O coração é a metáfora, a forma. Porque bombeia, espalha o sangue. Porque falha e denuncia. Mas atrás do coração, a energia. Meu coração metafórico é uma metralhadora em estado de graça. Não tem graça nenhuma, eu sou toda blindada. Parênteses breve: cada tiro me sai pela culatra. Meu impulso bate e volta, minha preguiça é cansaço; existe uma guerra dentro de mim. Um carnaval ao avesso. Eu não sou o que vejo no espelho. Não sou essa pele, não sou essa boca, essa sobrancelha grossa, essa pessoa alta. Não sou tão grande assim. Eu sou algo incomunicável dentro disso, disforme, minúsculo. Às vezes, me olho no espelho e não sei o que fazer comigo. Fecha parênteses, me pinto. Não tem ato para a tristeza no espetáculo, não tem nada que se revele na sombra que interesse ao público, apenas o desejo de luz, o palco, o holofote. Que continue o show, que a carga dramática potencialize a encenação para que a mentira seja só o figurino da verdade caricaturada. Aplausos.


11 comentários:

Marcela Bertoletti disse...

Isso soa como música, jazz, bossa, blues...
E na melancolia de sentimentos disformes, e na busca do se encontrar na imagem refletida, uma catarse necessária de questionamentos. E se quer respostas, é preciso fazer o trajeto. Mas vc não é pequena, pode estar certa.
Eu diria que foi um belo espetáculo/ texto/ desabafo!

Aplausos

Luka disse...

Toda surdez será castigada

Anônimo disse...

Acho que quando você se torna palavra, 'EU', toda pele é desnecessaria (é muita coisa) pra revelar, ou melhor, representar o que se é. Tenho a impressão de que o momento do espelho é o momento da tatuagem. Tentar existir na pele. Penso que 'Eu' é a única não-imagem, é a única coisa que nunca será uma imagem, no espelho é um reflexo, no texto é um conceito, na tela uma representação. Acho pesado até, 'Eu' é a única coisa que precisa de uma abstração completa pra existir. Isso me faz repensar (ou finalmente entender) a frase 'penso logo existo', existir é uma questão de fé, rs (peguei pesado?). Existe o mundo que a gente (vê) imagina (imagem), e fora do mundo 'Eu', e pra entrar no mundo a gente vira ator (?), palavra (?), reflexo (?); acho que é assim, mas acredito também que enquanto encenarmos não vamos nos livrar (ou pelo menos entender e desfrutar) dessa agonia de ver, no espelho, tanta pele pra pouco 'EU'.

(mas eu sempre acho que entendo nos seus textos o que não é pra entender)

vanessacamposrocha disse...

adorei o coração é a metáfora! Li algo esses dias que me foi reconfortante. Passo para você:
"Deixar-se ver revelador"
(gosta?)
beijos

Sueli Maia (Mai) disse...

Seu texto tem a potência de uma bomba. Ele explode em mil e você se abisma enquanto olha o que ficou. É de uma pertinência rara.
Lucidez e o glamour do abismo é a drogadicção.

Mas de fato a tua capacidade de escrita me impressiona.
Abraço e bom domingo.

P.S.
Sobre teu comentário no 'inspirar' há o caminho do meio, sim.Uma quintessência que não se vê, se sente.
Acho que você sentiu.

Sérgio Luz disse...

principalmente o abismo.

guru martins disse...

"Meu coração metafórico
é uma metralhadora
em estado de graça"
...Voce roubou de mim
a frasemais bela
que não escrevi...

mas
te bj
por isso!!!

Sueli Maia (Mai) disse...

Voltei porque além de abusar de escrever, você é uma leitora dos sonhos de qualquer quem que intente escrever.

Um bom natal e um feliz tudo. Com ou sem espelho, com ou sem o outro.

Abraços.

Eduardo Politzer disse...

quando se aprende o que é vida pela tela fica difícil fugir do achar que se é protagonista de um espetáculo sobre a própria história né

muito bom, beijo, feliz natal e essas coisas

meus instantes e momentos disse...

que belo blog. Muito bom eu ter vindo aqui.
Parabens pelo post.
perfeito texto.

Sueli Maia (Mai) disse...

"...Não sou tão grande assim. Eu sou algo incomunicável dentro disso, disforme, minúsculo..."(Luanne)
Interessante foi perceber aqui neste fragmento, uma antítese do que te fazer ler neste texto.
És grande no que se traduz.

beijos, querida.
Boas festas!