domingo, fevereiro 21

Teresa (Continuação)

(...)


Houve um momento, perto de onde tudo havia começado, onde Teresa sentiu um repuxo no peito tão forte, mas tão forte, que precisou parar o que fazia, apoiar-se na visão do nada e constatar. Precisava daquele homem, precisava comê-lo, devorá-lo, precisava digerir sua presença e para seu encanto sua fome aumentava quão maior era a bocada e nada daquilo que era dele diminuía diante de seus olhos. Ele continuava ali, intacto. Irredutível. Tão cedo percebeu que ele nada queria dela a não ser alguns breves encontros na sua cama e chegou um momento onde claramente poderia ter recuado. Poderia ter parado aquele fluxo ainda controlável, poderia ter dado um ponto final. Doeria um pouco por um par de semanas, mas logo, nenhum resquício. Mas era a primeira vez que Teresa se via daquela forma com um homem assim. Não foi seu primeiro, no entanto, foi a primeira vez que sentiu que brotava do seu peito algo como uma planta carnívora faminta por aquele ser inabalável diante dela. E se não o devorasse, a planta devoraria ela mesma. Algo abria-se como que se desfolhando em seu ventre. Disto ela não poderia abrir mão, porque assim também sentia pela primeira vez o que suspeitou durante muito tempo: o ser mulher.


Foi na terceira ou quarta vez que estavam juntos que algo lhe saiu do controle. E ela era não mais um par de pernas, seios, mas um corpo uno, indivisível, pelo qual fluía um calor em ondas energéticas que lhe davam tanto medo quanto encanto. O fluxo brotava nela, brotava dele, da terra, do céu, do universo, de Deus, talvez. Quis olhar no fundo dos olhos dele, mas estavam fechados. Ela fechou os seus também e buscou em si a memória de sua imagem mais viva. Tendo entendido a dimensão do vácuo no qual se meteria, ele de olhos fechados como que em qualquer outro lugar menos ali, tendo entendido também tamanho descontrole ao qual estava se submetendo, poderia ter parado depois daquele encontro. Porque sempre se valorizara durante toda sua vida e não era adepta do sofrimento. Poderia largar tudo e se proteger, fechar suas pernas, seus braços, seus lábios e sua porta, manter-se com a sua dignidade e seu orgulho, ela e eles, encerrados até que chegasse alguém capaz de corresponder tanto afeto. Mas nunca chegaria alguém daquele jeito, disto ela estava certa. O que era o amor próprio frente ao amor que ela poderia dar para ele e que ele, não fazendo questão, sem ter consciência, lançava ao infinito fazendo-o multiplicar progressivamente. Preferia tê-lo, ainda que a posse fosse dela, de olhos fechados, do que não ver mais aquele homem quando ele tirava suas mãos do abraço e as colocava contra a parede, a beijando com tamanha decisão que só alguém que envolvesse um outro ser infinitamente mais apaixonado do que si próprio poderia fazer. Estava disposta a morrer se fosse necessário depois que aquilo tudo acabasse - e muitas vezes achava que morreria quando ele saía no meio da noite - do que passar uma vida inteira sem conhecer tamanho sentimento.


Três semanas se passaram desde a última vez que se haviam visto, nunca antes ele tinha passado tanto tempo sem dar notícias. Teresa fazia um grande esforço para não se entregar a uma inclinação, uma nova força de gravidade, a força da auto-destruição. A vida perdia as cores, as pessoas ao seu redor perdiam o foco, era como se tudo estivesse agora descalibrado, desregulado. Tentava não grudar os olhos na caixa de e-mail, pensou até em trocar de número porque constatou que nunca tirava da cabeça a presença do seu celular, como uma tourada prestes a estourar a qualquer momento dentro do seu próprio peito. Mas nunca estourava. Poderia ser qualquer dia e isso a matava. Forçava-se a comer, mas mesmo assim tinha emagrecido porque no fundo, queria desaparecer. Desejou secretamente que ele estivesse morto, só assim poderia ficar tranquila com a sua ausência. Nunca havia comentado sobre ele com ninguém. Assim, em segredo, ele era mais dela. Não pronunciar seu nome era forma de o ter mais perto de seus pensamentos. O desejo de morte passou, mas ela, depois de meses, ainda esperava todos os dias que aquele fosse o dia. Os lábios, os braços, as pernas permaneceram abertos para outros transeuntes, mas as portas do seu infinito só seriam escancaradas novamente para aquela imagem já turva que guardava na lembrança, qualquer outro rosto que lembrasse vagamente aquele homem. O amor moreno, o amor de olhos fechados, o amor.

domingo, fevereiro 14

Dilema no meio


não sei o que é maior

se sou eu ou o que sinto

não sei se eu sou eu

ou o que sinto

não sei se eu sou

alguém que olha

alguém que olha

alguém

ou sou eu

que olho eu

que olho eu

que olho

o indivisível

pra dividir, entender

e juntar?

eu?


caríssimo ser humano

homo sapiens dualista

inauguro aqui a vida "sem aspas"

isso ou aquilo: não

quero orações aditivas



Life? I'm so fuckin' addicted


domingo, fevereiro 7

Teresa


Nunca sabia exatamente quando e mesmo se viria a próxima vez que se encontrariam novamente. Dependeria da agenda de compromissos dele, da chuva, da notícia do dia e, principalmente, embora nunca fosse dito às claras, de uma vontade rala e imprevisível que surgia nele de aparecer. Não precisava que fosse verbalizada a quase não existência desta vontade, se é que se podia chamar desta forma tal leve comichão, que invadia, melhor, pinicava aquele homem e fazia com que tirasse o celular do bolso ou lhe enviasse um e-mail, duas linhas, perguntando se naquele dia era bom pra ela. Fim de semana quase nunca, ela sabia, porque tinha o futebol, o chope com os amigos, as tantas possibilidades melhores que uma noite de sábado poderia oferecer. E marcar com antecedência não era seu costume.


Verdade é que nunca poderia ser melhor programa para ela. O e-mail com seu nome piscando em negrito na caixa de entrada ou uma mensagem fechada que indicasse seu número já disparava um jarrão de fogos como um ano novo surpresa. Não poderia ser coisa ruim, pois ela tinha certeza de que este homem, se um dia resolvesse desaparecer, não se prestaria a avisar, nunca falaram em nenhum tipo de compromisso. Na verdade, o aviso era querer vê-la de novo. E estava dado. Ela então sairia do escritório direto pra casa, se besuntaria daquele creme para ocasiões especiais, colocaria perfume, mas nunca demais, e sentada no sofá esperaria completamente imóvel que o relógio a transportasse para além. Porque pontualidade aquele homem tinha. Quando escutava tocar a campainha, a convicção temerosa de quem se vê indo com as próprias pernas para as mãos de seu carrasco, por qualquer motivo muito próprio, a invadia, mas nunca o abalo era suficiente para superar a previsão de como seria abrir a porta. Aquele homem em cujas mãos ela se perdia, que poderia a engolir se quisesse, embora nunca tivesse querido, aquele olhar seguro de quem sabe o protocolo e não se invade por maiores emoções. Mas que poderia, eventualmente. O olhar que brilharia como águas noturnas de oceano levemente disfarçado pelo reflexo anti-natural de um par de óculos de aro fino, o cheiro quente de pele bronzeada. E ela abriria a porta, logo o sorriso, os braços, as pernas, numa progressão crescente de abertura que culminava na explosão de sua alma, lugar onde ele nunca ousara entrar. Não por medo nem timidez, por pura falta de interesse em adentrar um lugar tão exposto, como um mapa que se olha por alguns instantes para entender as dimensões, mas logo se distrai com algo mais tridimensional ou que talvez ofereça maiores mistérios.



(Continua)