domingo, novembro 8

A dor do parto

Sim, eu conheço a dor do parto. Tenho nascido de mim mesma desde que me descobri uma pessoa viva. Conheço a dor do parto mais do que muitas mulheres que colocaram crianças no mundo e sou mais mãe de mim mesma do que aquela que foi minha progenitora. Não é ingratidão. Não é nada sagrado. Mãe é mãe é só um palíndromo sem maior mistério. Aqui eu perco o foco, não quero que isso soe como uma malcriação. Até porque desconfio que nunca tenha sido exatamente criada; no máximo até hoje eu me inventei. Se perco o foco espero que quem já tenha passado por uma grande dor, a perda, o parto, a pedra no rim, possa me compreender. É fácil perder o discernimento e muitas vezes a dor é tão aguda que provoca reflexos em outras partes do corpo. Se minha própria progenitora sofreu dor ao expelir este meu corpo mal nascido por no máximo algumas horas, meu trabalho de parto segue agora por mais de vinte e três anos. Com bons intervalos, devo dizer. Tem dias em que a calma do útero repousa sobre mim e eu aceito não nascer e contemplar o mundo da minha bolha uterina. Tem dias que eu morro e embora não seja esta a dor maior, eu engulo meu corpo todo. Eu me trituro e me devoro. Mas tem noites, certas noites, onde eu me encolho pra tentar conter uma dor que estica, um calor que ameaça rasgar minha pele - eu estou nascendo. Uma contração dilata minha mandíbula, eu abro a boca num grito que ainda não tem som pois é abafado pela atmosfera amniótica ao meu redor. Eu quero gritar, mas quero tanto que quero que meu sussurro seja um estrondo. Eu tenho uma bolha de ar dentro de mim que me sufoca. Eu estou nascendo sem anestesia porque a dor é necessária para que haja uma força contrária que me expila de mim. Sinto crescer uma ânsia absurda por alcançar a superfície de mim mesma e estourar meus pulmões. A dor de nascer é a que sinto com mais orgulho. Não existe caminho fácil para expelir a farpa importuna da inexistência.

7 comentários:

Sérgio Luz disse...

ainda acho que mãe é mãe... rs

vanessacamposrocha disse...

que texto denso!! Mas acho mesmo que é assim: nascemos e morremos a cada por do sol (quando estamos corajosos)
parabéns pelo texto!

Ricardo Elia disse...

texto forte como as mães. A dor do parto dos outros ou de nós mesmos.

Fiquei curioso pra ler o "nem sempre tem que ser bonito"... será que ainda aparece por aqui?

Luka disse...

Se meu blog tem um motivo são seus comentários

Luka disse...

E que texto!! Muito bom!! Sinto semelhanças hauahuah

meus instantes e momentos disse...

parabens pelo post.Muito bom.Forte e bem escrito.
Pra ler e reler. Sentir por partes.
Gostei daqui.
Maurizio

guru martins disse...

...te entendo
perfeitamente
a dor da alma
apaixonada
é a dor da
e(terna) elevação...

bj