terça-feira, setembro 29

Manifesto Comunista

Preservo o privado, embora o que eu tenha não seja exatamente propriedade. São resquícios de um eu impróprio. Não tenho certeza se o que eu tenho é realmente meu. E não falo de objetos, de falos. Falo do substrato abstrato, de sentimentos. Não sei se o que sinto é meu, é teu ou é inventado. Às vezes, eu acho que inventei todos os meus sentimentos. É quando eu sinto um medo extraordinário de te esquecer, ou pior, de que você nunca tenha existido. Pergunto-me como você é e só sei dizer de como você é comigo. Quanto disso é você? às vezes, penso que eu sou só isso, a soma das formas que as coisas são comigo. E isso é tão frágil que pode se desfazer em dois passos cambaleando em sentidos opostos. Temo que se fizessem um inventário de mim restaria só o que invento. E as coisas emprestadas, roubadas dos desavisados transeuntes tão cheios de si que os tomei pra mim. Meu vampirismo é silencioso, invisível; e insaciável. Se faz falta, acho que não, faz mais falta pra mim não ter jeito próprio. Como pode, eu penso, como pode meu eu ser tão desapropriado de si mesmo. Minha propriedade, se me é permitido usar o termo, se refere à assuntos tão etéreos que com um sopro se perdem no ar. Eu queria me apropriar de mim, mas no breve momento em que me sinto tocando minhas próprias mãos, as solto para tocar algo afora que reluziu. Eu me despejo e me troco por qualquer variação que me traduza e ao mesmo tempo me anule. Tenho mania de instabilidade, me encontro na insegurança de planar e reinventar os limites entre nós. Preservo o meu privado porque aqui dentro não tem nada além de branco que absorve; e luz com a qual me pinto na tela do seu rosto. Contudo, quero que você se divida comigo; e embora como garantia proponha apenas a chance de não ter nada a lucrar, minha brancura esconde a brandura de quem se oferece como paleta matriz para novas colorações.

Um comentário:

guru martins disse...

...você é
o produto
da sucata
dos outros
também...

bj